Reconhecido por sua arte em preto e branco e por denunciar com sensibilidade as desigualdades sociais e ambientais, fotógrafo mineiro falece aos 81 anos em Paris
O mundo da arte e do fotojornalismo amanheceu mais silencioso nesta sexta-feira, 23 de maio. Morreu, aos 81 anos, o fotógrafo brasileiro Sebastião Ribeiro Salgado Júnior, conhecido internacionalmente por suas imagens em preto e branco que retrataram com profundidade poética e olhar documental temas sociais, ambientais e humanitários ao redor do globo. A morte ocorreu na capital francesa, onde vivia, em decorrência de complicações causadas por uma malária contraída na década de 1990.
Salgado deixou uma marca indelével no cenário da fotografia mundial ao capturar, com rigor técnico e sensibilidade artística, a dura realidade de populações marginalizadas e regiões devastadas. O Instituto Terra, organização ambiental fundada pelo fotógrafo em parceria com sua esposa, Lélia Deluiz Wanick Salgado, confirmou a informação do falecimento e destacou, em nota, o impacto transformador de sua trajetória. “Sua lente revelou o mundo e suas contradições; sua vida, o poder da ação transformadora”, registrou o comunicado.
Natural da cidade de Aimorés, no interior de Minas Gerais, Sebastião Salgado nasceu em 8 de fevereiro de 1944. Formado em Economia pela Universidade Federal do Espírito Santo, com mestrado pela Universidade de São Paulo e doutorado em Paris, ele iniciou sua carreira profissional longe das câmeras. A guinada definitiva ocorreu nos anos 1970, quando descobriu na fotografia um instrumento poderoso de expressão e denúncia social. Desde então, percorreu mais de 120 países em busca de histórias humanas que ultrapassassem as margens da invisibilidade.
Foi com a série sobre Serra Pelada, garimpo de ouro localizado na Amazônia brasileira, que Salgado ganhou notoriedade internacional no final dos anos 1980. As imagens, em preto e branco, retratam milhares de trabalhadores em condições extenuantes, compondo uma cena de impacto visual e simbólico que ecoou nas mais diversas partes do mundo. Comparadas frequentemente a um “formigueiro humano”, essas fotografias transformaram-se em ícones do fotojornalismo mundial.
Mesmo afastado dos grandes projetos nos últimos anos por questões de saúde, o fotógrafo mantinha planos de participar da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), prevista para ocorrer em novembro deste ano, em Belém do Pará. Estava preparando uma mostra especial sobre a Amazônia, região que se tornou uma das principais protagonistas de seu acervo fotográfico e também de seu engajamento ambiental.
Na véspera de sua morte, Salgado havia cancelado a participação em um encontro com jornalistas na cidade de Reims, França, alegando problemas de saúde. No dia seguinte, estava programado para comparecer à inauguração dos vitrais criados por seu filho Rodrigo, portador de síndrome de Down, para uma igreja local. A ocasião simbólica encerraria mais um capítulo da relação intensa e familiar com a arte e a inclusão.
Ao longo da carreira, Salgado publicou livros, realizou exposições em museus de renome internacional e recebeu dezenas de prêmios e homenagens. Sua obra foi marcada por projetos de longa duração, como Êxodos, Trabalhadores, Gênesis e Amazônia, que exploram os limites entre a arte e o engajamento social, sem recorrer a narrativas panfletárias, mas sim ao poder silencioso da imagem.
Em uma de suas últimas entrevistas, concedida ao jornal britânico The Guardian em 2024, o fotógrafo reconheceu a proximidade da finitude. “Eu sei que não viverei muito mais. Mas eu não quero viver muito mais. Eu vivi tanto e vi tantas coisas”, declarou, em tom sereno. Era a voz de alguém que já havia compreendido o peso e a leveza do tempo.
Sebastião Salgado foi casado com a pianista e curadora Lélia Wanick, com quem teve dois filhos — Juliano e Rodrigo —, e era avô de Flávio e Lara. Ao lado de Lélia, não apenas construiu uma carreira de reconhecimento mundial, mas também promoveu um dos maiores projetos de recuperação ambiental do Brasil, por meio do Instituto Terra, localizado em sua cidade natal.
Sua partida encerra uma era em que o olhar fotográfico podia ser, simultaneamente, denúncia, poesia e reconstrução. Mas seu legado permanece — em livros, exposições, filmes e, principalmente, na consciência provocada por cada clique transformado em testemunho visual da humanidade.
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