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Até tu, Ministro? – A decisão de Mendonça e o futuro da saída temporária

 Uma análise crítica da decisão do ministro André Mendonça sobre a não retroatividade da lei que restringe a saída temporária de presos

Ministro André Mendonça durante sessão no Supremo Tribunal Federal: decisão emblemática sobre a retroatividade da lei penal e os direitos dos presos.

No intrincado universo das legislações brasileiras, um recente episódio trouxe à tona questões complexas sobre a aplicação retroativa das leis penais. O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu manter o direito à saída temporária a um preso de Minas Gerais, cujo benefício havia sido revogado pela nova lei que restringiu a popularmente conhecida “saidinha”. Esta decisão, proferida em habeas corpus, se limita ao caso concreto, mas suas implicações reverberam por todo o sistema jurídico e penal brasileiro.

Em sua decisão, Mendonça destacou que a Lei nº 14.836, de 2024, não pode retroagir para prejudicar quem já estava cumprindo pena, conforme a Constituição Brasileira, que estabelece que a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. Tal entendimento visa preservar direitos adquiridos e garantir que mudanças legislativas mais severas não penalizem retroativamente indivíduos que cometeram crimes sob legislações anteriores mais brandas. O ministro foi claro ao afirmar a impossibilidade de aplicação retroativa da nova norma, especificamente em casos de crimes hediondos ou cometidos com grave ameaça ou violência, como no caso em análise, onde o condenado havia cometido roubo com emprego de arma de fogo.

No entanto, essa decisão do ministro Mendonça contraria o clamor popular e o objetivo principal da nova lei, que foi apoiada por uma ampla maioria política. A intenção clara ao aprovar essa lei era garantir que os presos atuais não mais usufruíssem dos benefícios das saídas temporárias, e não apenas os condenados após a vigência da nova legislação. A decisão do ministro, ao preservar o direito de saída temporária de um preso condenado sob a legislação anterior, ignora o desejo popular por uma maior rigidez no sistema penal e a busca por mais segurança pública.

A Lei nº 14.836, aprovada pelo Congresso em março deste ano, restringe a saída temporária de presos do regime semiaberto, permitindo-a apenas para aqueles que estejam cursando supletivo profissionalizante, ensino médio ou superior. Ao sancionar a norma, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou parcialmente o texto, autorizando a saída de presos que não cometeram crimes graves ou hediondos para visitas à família. No entanto, o Congresso Nacional derrubou esse veto, restaurando a versão original da lei.

A decisão de Mendonça insere-se em um contexto de tensionamento entre os poderes Executivo e Legislativo, e o Judiciário emerge como árbitro das interpretações constitucionais. No entanto, é válido questionar até que ponto o STF deve atuar em contrariedade à vontade popular e ao objetivo claro de políticas de segurança mais rígidas. A manutenção dos benefícios aos presos que já estavam usufruindo deles antes da nova lei coloca em destaque a importância dos princípios constitucionais na proteção dos direitos individuais contra retrocessos legislativos. Contudo, também ressalta um potencial desalinhamento entre a aplicação prática das leis e o desejo da sociedade por maior segurança.

É irônico que o próprio sistema que busca endurecer penas e restringir benefícios seja confrontado por suas próprias normas constitucionais, revelando as complexidades e, por vezes, as incoerências do sistema jurídico. A não retroatividade da lei penal mais gravosa protege, paradoxalmente, aqueles que o novo arcabouço legislativo visa punir com maior rigor. Este episódio evidencia como a legislação penal, muitas vezes criada em resposta a pressões sociais e políticas por maior segurança, deve ainda assim respeitar princípios jurídicos fundamentais, mas sem ignorar a vontade popular.

A decisão do ministro André Mendonça reflete não apenas um posicionamento jurídico, mas um momento de reflexão sobre o papel das leis penais e sua aplicação justa e equitativa. O STF, ao garantir que as mudanças legislativas mais severas não prejudiquem retroativamente aqueles já sentenciados, reafirma o compromisso com os direitos fundamentais e a estabilidade jurídica. No entanto, em um cenário político conturbado, onde leis são frequentemente modificadas ao sabor das demandas públicas e políticas, a defesa dos princípios constitucionais deve ser equilibrada com a resposta adequada ao clamor por maior segurança.

Assim, resta-nos questionar: até quando o sistema penal brasileiro continuará a oscilar entre o rigor das novas leis e a proteção dos direitos adquiridos? E mais importante, até que ponto as reformas legislativas serão capazes de equilibrar justiça e segurança sem sacrificar os alicerces do Estado de Direito? As respostas a essas questões definirão o futuro da justiça penal no Brasil e a capacidade das instituições de atender às demandas legítimas da sociedade.



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