Tentativas de regulamentação são criticadas por organizações e sociedade civil, revelando tendência higienista em políticas públicas
Protestos contra o projeto de lei em São Paulo reuniram diversos ativistas e representantes de ONGs, reforçando a necessidade de políticas públicas inclusivas e humanas. |
Nos últimos meses, têm surgido em diversas cidades brasileiras iniciativas legislativas que visam regulamentar a doação de alimentos e o uso de espaços públicos por pessoas em situação de rua. Na capital paulista, o vereador Rubinho Nunes (União) propôs um projeto de lei que prevê uma multa de R$ 17 mil para quem descumprir certos requisitos na doação de alimentos a essas pessoas. Embora aprovado em primeira discussão, Nunes já anunciou a suspensão da tramitação do projeto, alegando necessidade de ampliar o diálogo com a sociedade civil e buscar o aperfeiçoamento do texto.
Em Santos, uma proposta semelhante foi apresentada pelo vereador Carlos Teixeira Filho, o Cacá (PSDB). Ele buscava alterar o Código de Posturas do Município, proibindo o uso de chafarizes, fontes, tanques ou chuveiros públicos para lavar roupas, além de restringir a montagem de barracas e abrigos em locais públicos. A pressão de lideranças comunitárias e a repercussão negativa nas redes sociais levaram ao adiamento da votação por 20 sessões.
A proposta de Rubinho Nunes, em sua forma original, incluía a exigência de que ONGs, entidades e pessoas físicas que distribuíssem alimentos a pessoas em situação de rua realizassem a limpeza do local após a distribuição, além de disponibilizar tendas, mesas, cadeiras, talheres e outros itens necessários para uma alimentação segura e digna. A proposta foi criticada por praticamente inviabilizar as doações de alimentos, uma vez que estabelecia uma série de autorizações e documentos complexos.
A justificativa de Nunes para a suspensão do projeto foi a necessidade de diálogo com a sociedade civil, ONGs e associações, buscando um texto mais adequado. "A suspensão tem por objetivo ampliar o diálogo com a sociedade civil, ONGs e demais associações e buscar o aperfeiçoamento do texto para que a finalidade do projeto seja atendida", afirmou.
A Prefeitura de São Paulo informou que não existe a exigência de um Termo de Permissão de Uso (TPU) para a entrega de alimentos a pessoas em situação de rua e que o projeto ainda será analisado pelo prefeito caso passe por uma segunda votação.
Em Santos, a proposta de Cacá enfrentou críticas ainda mais contundentes. A coordenadora do Movimento Nacional de Luta e Defesa da População em Situação de Rua, Laureci Elias Dias, argumentou que a proposta feria o princípio da isonomia ao tratar desigualmente cidadãos em diferentes situações. A OAB-SP também se posicionou contra o projeto, afirmando sua inconstitucionalidade e ressaltando que o município não pode se sobrepor às relações humanas e interações interpessoais. "Se todos são iguais perante a lei e aos poderes públicos constituídos, não pode o Município se sobrepor às relações humanas e às relações interpessoais. Desta forma, a Câmara não pode, em hipótese alguma, proibir que pessoas doem a outras pessoas, seja alimentos, bens ou afetos", declarou a Comissão Permanente de Direitos Humanos da OAB-SP.
As reações a esses projetos revelam uma tendência preocupante de políticas públicas com viés higienista, que visam restringir as atividades de pessoas em situação de rua e dificultar a ajuda a esses indivíduos. A suspensão e adiamento desses projetos mostram a força da mobilização social e a importância da participação popular na defesa dos direitos humanos e da igualdade.
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