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Vara de violência doméstica em Santos: Justiça ou remendo tardio?

 A inauguração da 21ª Vara Especializada no Estado de SP expõe as mazelas de uma sociedade que ainda luta contra a violência doméstica

Solenidade de inauguração da Vara de Violência Doméstica em Santos expõe a dura realidade do sistema judiciário e a urgência de políticas públicas eficazes.

A instalação de uma Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em Santos soa como uma conquista importante, mas não deixa de revelar uma amarga realidade. Quando o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, anunciou a criação da 21ª unidade no estado e a primeira da Baixada Santista, o ato foi revestido de um certo alívio, mas também de lamento. Afinal, por mais que a criação de uma nova vara represente um passo à frente na proteção das mulheres, também é o reflexo de uma sociedade que falha em erradicar essa forma de violência.

A cerimônia de inauguração, que deveria ser um marco de progresso, foi pontuada pela crítica do próprio presidente do TJ-SP. "Devíamos estar criando varas da infância, da família... Mas, enquanto não baixarmos os níveis latentes na sociedade, temos que nos estruturar", afirmou. É difícil não perceber o subtexto de frustração na fala do desembargador. Ao invés de celebrações, o evento teve um ar de "precisamos fazer isso, mas não deveríamos precisar".

A nova unidade já nasce sobrecarregada, com cerca de 8 mil processos à espera de julgamento. Para o juiz Edegar de Sousa Castro, que estará à frente dessa vara, a especialização é essencial para dar prioridade a esses casos, padronizar entendimentos jurídicos e facilitar a implementação de programas públicos e privados de apoio às vítimas. No entanto, a quantidade massiva de processos ilustra o tamanho do desafio: a máquina judiciária está, literalmente, fabricando justiça de forma serial, enquanto a violência continua a produzir novas vítimas diariamente.

O discurso de especialização não é apenas uma palavra de ordem vazia. Com a nova vara, busca-se uma abordagem mais humanizada e eficaz para os casos de violência doméstica, integrando assistência jurídica com suporte psicológico e social. Mas a pergunta que ecoa é: quantas varas mais serão necessárias até que essa violência seja, finalmente, contida?

A instalação dessa vara não surgiu do nada. Em 2012, a então deputada estadual Telma de Souza (PT), à frente da Procuradoria Especial da Mulher, já defendia essa iniciativa. Seis anos depois, em 2018, o projeto finalmente se concretizou, sob o olhar atento do desembargador José Renato Nalini, que assumiu o compromisso de viabilizar a unidade. No entanto, esse intervalo de tempo revela o ritmo moroso com que políticas públicas de proteção às mulheres são implementadas. Quantas vítimas poderiam ter sido poupadas se essa vara tivesse sido instalada antes?

Enquanto isso, o discurso oficial insiste em reforçar a necessidade de políticas públicas para erradicar essa "grave chaga social". Mas o que fica nas entrelinhas é a percepção de que essas políticas, embora fundamentais, ainda são insuficientes. O combate à violência doméstica exige mais do que a criação de varas especializadas. Requer uma transformação profunda da mentalidade social e a implementação de ações preventivas que atinjam as raízes do problema.

Enquanto o desembargador Fernando Antonio Torres Garcia lamenta a necessidade de mais varas para julgar casos de violência contra a mulher, os cínicos podem se perguntar se a próxima grande inauguração será a de uma fábrica de varas. Porque, ao que tudo indica, o que a sociedade parece estar se especializando é em gerenciar suas crises, e não em resolvê-las. Será que um dia a nossa luta contra a violência doméstica vai nos permitir, enfim, fechar essas portas de vez?



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