Golpes milionários e impunidade desafiam as Forças Armadas e a Justiça brasileira
Fraudes em pensões militares evidenciam lacunas no controle administrativo e prejuízos milionários aos cofres públicos. |
A Marinha do Brasil protagonizou um escândalo que expõe as fragilidades no controle das pensões militares. Durante quase duas décadas, uma pensão destinada a uma mulher já falecida foi paga regularmente, acumulando cerca de R$ 3,8 milhões. A responsável por movimentar os valores, Alda Soares dos Santos Montenegro, filha da beneficiária, encontra-se agora condenada por estelionato e enfrentando uma ação de cobrança pela Advocacia-Geral da União (AGU).
Alda Soares, atualmente com 63 anos, foi condenada a três anos e dois meses de reclusão pela Justiça Militar, em 2021. Como procuradora da mãe, ela tinha acesso irrestrito à conta bancária em que a pensão era depositada. A mãe, beneficiária como filha solteira de militar, faleceu em agosto de 2000. Contudo, Alda optou por não informar o óbito à Marinha e arquitetou uma fraude que resistiu a nove solicitações de prova de vida realizadas ao longo dos anos.
Para manter o esquema, Alda contou com o apoio de duas primas, uma das quais se fazia passar pela falecida para enganar as autoridades. Em janeiro de 2018, o último pagamento foi realizado pela Marinha, pondo fim às remessas indevidas após quase duas décadas de descuido administrativo.
O ministro do Superior Tribunal Militar (STM), Lúcio Mário de Barros Góes, foi enfático ao descrever o caso: "A acusada, agindo de forma comissiva, orquestrou uma engenhosa artimanha para burlar o instrumento de fiscalização da Administração Militar".
Infelizmente, a história de Alda não é um caso isolado. Um levantamento recente identificou várias situações semelhantes, envolvendo tanto a Marinha quanto o Exército e a Aeronáutica. Em um caso emblemático, Alcy Mare Sant’Anna Magalhães, neta de uma pensionista militar do Exército, foi condenada a dois anos de prisão por usar R$ 367,3 mil da conta de sua avó falecida para compras pessoais, incluindo transações em redes de varejo.
Assim como Alda, Alcy optou por não comunicar o óbito às autoridades competentes. A pensão foi paga por mais de uma década após a morte da beneficiária, em 2007, acumulando valores que hoje ultrapassam R$ 1,5 milhão, segundo a AGU.
Essas fraudes não apenas revelam a astúcia dos golpistas, mas também a fragilidade dos mecanismos de fiscalização das Forças Armadas. Provas de vida e cruzamento de dados com o Sistema Nacional de Informações de Registro Civil (Sirc) são as principais ferramentas utilizadas, mas, como os casos ilustram, elas estão longe de ser infalíveis.
Ao todo, fraudes envolvendo pensões militares detectadas em processos judiciais recentes somam quase R$ 8 milhões. Esse montante representa apenas uma parcela das perdas, dado que muitas irregularidades podem não ter sido descobertas.
A AGU enfrenta dificuldades em reaver os recursos desviados. Alda Soares, por exemplo, alegou não ter condições financeiras para restituir os R$ 3,8 milhões. A situação de Alcy Magalhães também se mostra desafiadora: a Justiça Federal estabeleceu prazo de um ano para localizá-la ou identificar bens penhoráveis, sob pena de arquivamento do processo.
O descuido administrativo e a morosidade na detecção das fraudes apontam para uma responsabilidade compartilhada entre os golpistas e as instituições militares. Apesar das condenações, a impunidade financeira permanece como um obstáculo significativo para a recuperação do erário.
A necessidade de conter os gastos públicos colocou as pensões militares sob os holofotes do governo federal. Enquanto as Forças Armadas buscam aprimorar seus mecanismos de fiscalização, a recorrência de fraudes evidencia a urgência de medidas mais rigorosas e efetivas.
O caso de Alda Soares e outros semelhantes não são apenas histórias de crimes individuais, mas símbolos de um sistema vulnerável que custa caro aos cofres públicos. A história se repete e desafia: quem, afinal, paga a conta?
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