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Estado abandona patrimônio cultural em ruínas: Justiça intervém, mas quem vai pagar a conta?

 Imóvel histórico na Avenida Conselheiro Nébias, em Santos, foi deixado à própria sorte por anos e justiça determina a restauração

Imóvel histórico na Avenida Conselheiro Nébias, 584, abandonado e em ruínas, reflete o descaso com o patrimônio cultural de Santos.

A cidade de Santos, berço de grande parte da história paulista e nacional, enfrenta mais um episódio que revela a negligência do Estado com seu próprio patrimônio. Uma construção histórica localizada na Avenida Conselheiro Nébias, número 584, vítima do descaso por anos, finalmente verá alguma ação — não por iniciativa governamental, mas pela pressão do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e a determinação da Justiça.

Em sentença publicada no dia 20 de agosto, o Estado de São Paulo foi obrigado a restaurar o imóvel em um prazo de seis meses, a partir do trânsito em julgado do processo, que foi iniciado em maio de 2023 pelo promotor Carlos Cabrera. O imóvel, apesar de não ser tombado oficialmente pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (CONDEPASA), está localizado em área envoltória de outro prédio tombado, no número 586, reconhecido desde 2005 como bem de interesse histórico e arquitetônico. A ironia, no entanto, é que a restauração pode nunca ser executada pelo Estado: caso o imóvel seja vendido antes do início das obras, a responsabilidade recai sobre o comprador. Em outras palavras, o Estado pode se livrar da tarefa e do custo com um simples ato de alienação.

A situação do imóvel 584 não é novidade. Já em 2016, o CONDEPASA havia atribuído a ele o nível 2 de proteção, o que significa que suas fachadas, volumetria e telhado deveriam ser preservados. Considerado um importante exemplar da arquitetura residencial em estilo eclético, típico da expansão urbana da Avenida Conselheiro Nébias, o prédio agora se encontra em estado deplorável, com risco iminente à segurança pública e à saúde dos moradores da região.

A avenida, que já foi símbolo de crescimento e desenvolvimento urbano, hoje abriga essa construção decadente, abandonada, e sem qualquer sinal de intervenção. A situação é emblemática do trato que o poder público dispensa ao patrimônio cultural: a omissão prolongada, o descaso com a preservação histórica e o constante adiamento das responsabilidades. É como se o valor cultural fosse uma questão supérflua, relegada ao fundo das prioridades, enquanto a cidade assiste impotente à dilapidação de sua própria memória.

A decisão judicial, embora aparentemente favorável à preservação do patrimônio, esconde uma armadilha. A sentença não impede que o imóvel seja vendido, o que significa que o encargo de realizar a restauração pode ser repassado para as mãos de um comprador incauto, sem que o Estado arque com um centavo das despesas. Em um cenário como esse, a Justiça pode até parecer eficiente, mas, na prática, pode se transformar em um jogo de empurra, onde o verdadeiro responsável — o Estado — sai ileso.

Carlos Cabrera, promotor responsável pela ação, argumenta que o tombamento e a proteção dessas áreas têm o objetivo de preservar a coerência entre os imóveis históricos, permitindo uma melhor compreensão do patrimônio cultural. No entanto, de que adianta preservar a fachada e o telhado de uma construção, se ela segue deteriorando-se, ameaçando a integridade da área que deveria valorizar?

O Estado, por sua vez, parece tratar a história de Santos como um peso morto, pronto para ser passado adiante ao menor custo possível. A venda do imóvel, na prática, seria uma forma de lavar as mãos de uma responsabilidade que já foi negligenciada por anos. Não há, nesse cenário, nenhuma garantia de que o novo proprietário, seja ele quem for, terá os meios ou o interesse em restaurar um imóvel cuja recuperação foi postergada até o limite da inviabilidade.

O abandono do imóvel é apenas um capítulo de um problema maior. Santos, uma cidade histórica, que já foi um dos centros mais importantes do Estado de São Paulo, vê seu patrimônio cultural desmoronar aos poucos, corroído pela inércia dos governantes. A restauração dos prédios históricos deveria ser uma prioridade não apenas pela preservação da memória, mas também pelo impacto positivo que isso poderia ter no turismo, na cultura e na autoestima da população.

No entanto, a narrativa se repete: o Estado posterga, aliena, negligencia, enquanto a cidade vai perdendo, pouco a pouco, os vestígios de sua própria história. E o ciclo continua. Se o imóvel na Avenida Conselheiro Nébias 584 for vendido, será o próximo proprietário a herdar um prédio em ruínas, com uma responsabilidade que deveria ter sido assumida pelo Estado desde o início.

O que resta, então, para Santos e sua população? Aguardar o próximo capítulo dessa novela de descaso com o patrimônio histórico. A Justiça fez sua parte, mas a dúvida permanece: quem, de fato, será o responsável por restaurar a memória que, aos poucos, vai sendo apagada? O relógio já está correndo, e em seis meses, a cidade espera ver uma resposta — ou mais um exemplo de como a história é tratada com descaso.



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