Decisões polêmicas e absolvições questionáveis marcam a carreira de Ronaldo João Roth, juiz militar afastado após uma série de controvérsias
Juiz militar Ronaldo João Roth, ex-Rota, afastado após decisões polêmicas, é símbolo de um judiciário militar que precisa urgentemente de reformas. |
A história do juiz militar Ronaldo João Roth, recentemente afastado por dois anos, é um conto que reflete a intricada teia do poder e da justiça na esfera militar brasileira. Com uma trajetória de mais de três décadas no Tribunal de Justiça Militar (TJM) de São Paulo, Roth se viu no centro de decisões que chocaram a opinião pública e levantaram dúvidas sobre os critérios utilizados pela Justiça Militar em casos envolvendo policiais.
Seu afastamento foi resultado de uma decisão que revogou a prisão do cabo Eriki Rodrigo Souza Dias, acusado de corrupção passiva por fornecer informações privilegiadas sobre as operações da Polícia Ambiental para facilitar práticas de pesca ilegal. Eriki, que recebia dinheiro em troca de repasses de escalas de policiamento, chegou a ser preso no Presídio Militar Romão Gomes, mas foi beneficiado pela decisão de Roth, posteriormente considerada uma afronta ao princípio da hierarquia da jurisdição pelos desembargadores do TJM.
Contudo, essa não foi a primeira vez que o nome de Roth esteve envolvido em um episódio controverso. Em 2021, o juiz proferiu uma decisão que absolveu os policiais Danilo de Freitas Silva e Anderson Silva da Conceição, acusados de estuprar uma jovem de 19 anos dentro de uma viatura policial, na cidade de Praia Grande. O caso ganhou repercussão pela gravidade das acusações e pelo argumento utilizado pelo magistrado para justificar sua decisão: apesar de reconhecer a relação sexual, Roth alegou que a jovem "não resistiu" e que, por isso, o ato não configuraria estupro. Além disso, em um raciocínio perturbador, afirmou que a vítima "nada fez para se ver livre da situação".
Esse julgamento gerou revolta e levou a Defensoria Pública a recorrer da decisão, o que resultou na condenação de Danilo a 16 anos de prisão e Anderson a 7 anos em regime semiaberto. A reviravolta no caso revelou a fragilidade do sistema judicial militar ao tratar de crimes envolvendo seus próprios membros, o que reforça a crítica sobre o papel das corporações em proteger seus agentes, mesmo diante de acusações gravíssimas.
O episódio em Praia Grande é um exemplo emblemático da desconexão entre o poder judiciário e as expectativas da sociedade em relação à punição de crimes violentos, sobretudo quando os acusados são policiais. O argumento de que a vítima não resistiu ao abuso dentro de uma viatura militar ecoa como um insulto à dignidade humana e revela a complacência institucional que permeia algumas instâncias da justiça militar.
O magistrado, que em seu perfil no Instagram se orgulha de sua longa trajetória no serviço público e de seu passado na Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), aparenta não reconhecer o impacto que suas decisões tiveram sobre a confiança da população no sistema que jurou defender. No entanto, a crescente insatisfação com a atuação de juízes militares, somada a casos como o do cabo Eriki, põe em xeque a própria estrutura de um tribunal que parece, por vezes, funcionar mais como um escudo protetor dos policiais do que como um pilar de justiça.
Em última análise, o afastamento de Roth, embora tardio, pode ser visto como um sinal de que o sistema está começando a se mover em direção a uma maior responsabilização de seus agentes. Contudo, a pergunta que permanece é: quantos outros casos semelhantes passaram despercebidos? Quantas vítimas foram silenciadas pelo peso da impunidade? E, sobretudo, até quando o Tribunal de Justiça Militar continuará operando em uma realidade paralela, onde policiais são tratados com uma condescendência que seria impensável em qualquer outro tribunal?
O legado de Ronaldo João Roth é, no mínimo, controverso. Seu afastamento temporário pode representar uma pequena vitória para aqueles que buscam justiça, mas não elimina o sentimento de que algo está profundamente errado no sistema. Para a população, resta a amarga sensação de que, em uma viatura policial ou em um tribunal militar, a justiça nem sempre está presente no banco dos réus.
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