Enquanto o sistema de "saidinha" tenta ressocializar detentos, a reincidência criminal e as falhas na fiscalização levantam questionamentos
A 'saidinha' temporária: entre a promessa de reintegração e a realidade da reincidência criminal nas ruas da Baixada Santista. |
A cada data programada pela justiça, o ritual se repete: centenas de presos ganham o benefício da chamada "saidinha" temporária, uma concessão prevista na legislação penal brasileira (ou não) com a nobre intenção de promover a reintegração social. Contudo, o que se vê nas manchetes policiais, principalmente nas regiões urbanas do estado de São Paulo, como a Baixada Santista, é um verdadeiro desfile de fugitivos que aproveitam a oportunidade não para visitar suas famílias ou refletir sobre seus atos, mas para retomar antigas atividades ilícitas.
No último feriado, mais de 700 presos "esqueceram" de voltar para as celas, e o número só cresce. A pergunta que fica no ar é: até quando vamos confundir ressocialização com concessão de impunidade? Enquanto o governo e o sistema judiciário insistem em exaltar as virtudes da medida, as ruas enfrentam uma nova onda de crimes cometidos por quem deveria estar sob vigilância ou, no mínimo, cumprindo sua pena integralmente.
A premissa por trás da "saidinha" temporária é, no papel, irrefutável: permitir que os presos em regime semiaberto possam gradualmente se reinserir na sociedade. O contato com a família, a breve convivência fora do cárcere, tudo parece ideal para reaproximar o detento de uma vida fora do crime. Na prática, porém, o que temos é um cenário onde o Estado perde completamente o controle sobre esses indivíduos.
É no mínimo curioso – ou trágico, dependendo da sua perspectiva – que o sistema carcerário brasileiro, já incapaz de garantir condições mínimas de dignidade para os que estão presos, pretenda, sem qualquer estrutura adequada, monitorar mais de 30 mil detentos anualmente que saem temporariamente de suas celas. Uma logística falha, que se reflete nos índices crescentes de reincidência. A matemática do caos é simples: quanto mais saidinhas, mais crimes nas ruas.
A Baixada Santista, por exemplo, se vê refém dessa política de portas giratórias. Cidades como Santos, Guarujá e Praia Grande, com elevados índices de criminalidade, enfrentam o agravamento da situação durante as tais saídas, quando criminosos que deveriam estar sendo vigiados, voltam a atuar nas margens da lei, em um ciclo que parece interminável.
Se a "saidinha" realmente ressocializa, por que então tantos aproveitam o benefício para desaparecer? Será que a falha está na concepção da medida ou na execução? Fato é que os números não mentem: segundo os dados mais recentes, 206 detentos foram recapturados apenas no último fim de semana, somando 769 desde o início das saídas temporárias. Isso levanta uma questão: quantos ainda estão à solta?
A crítica ao sistema não é novidade, e soluções parecem não existir. De um lado, o governo defende a medida, argumentando que a maioria dos beneficiados cumpre a sua parte do acordo e retorna voluntariamente ao sistema prisional. Do outro, a população – especialmente aquela que vive em áreas vulneráveis como a Baixada Santista – observa com crescente desconfiança essa política, que parece, no mínimo, contraproducente. Afinal, que tipo de segurança pública é essa que libera milhares de criminosos para uma "folga" sem qualquer garantia de que retornarão?
A ressocialização de detentos deveria ser uma prioridade em qualquer sociedade civilizada. Contudo, sem um sistema de fiscalização eficiente, sem políticas de acompanhamento que assegurem a reintegração efetiva desses indivíduos, a "saidinha" é apenas um sintoma de uma política penal falida.
O colapso do sistema carcerário brasileiro é evidente. Superlotação, condições sub-humanas e a absoluta falta de investimento em programas de reabilitação fazem da prisão uma escola do crime, onde a ressocialização é a exceção, e a reincidência, a regra. E nesse cenário, as "saidinhas" são o momento perfeito para que os condenados ampliem seus horizontes criminosos.
Enquanto isso, a sociedade civil, atônita, questiona-se: qual será o próximo capítulo dessa tragédia já anunciada? Seremos eternamente reféns de uma política que, ao invés de diminuir a criminalidade, parece apenas pavimentar o caminho para a próxima onda de violência?
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