O uso de câmeras corporais nas operações da PM de SP avança com nova remessa de dispositivos, prometendo maior transparência e segurança. Mas será?
As novas câmeras corporais prometem ampliar a transparência nas ações da Polícia Militar de São Paulo, mas seu real impacto ainda é questionado. |
O Governo do Estado de São Paulo segue firme em sua cruzada por mais controle e transparência nas ações policiais. Na mais recente jogada, foram assinados contratos para a aquisição de 12 mil novas câmeras corporais destinadas à Polícia Militar. Esses dispositivos, que grudam nos uniformes como testemunhas oculares inescapáveis, têm como missão registrar as interações entre os policiais e os cidadãos paulistas.
Quem diria que, em tempos de inteligência artificial e algoritmos que preveem o futuro, a solução para evitar abusos de poder e reforçar a confiança na força policial seria uma simples câmera? Claro, com o devido investimento público, que sempre aparece quando há urgência em resolver questões estruturais. Afinal, como todos sabemos, nada melhora mais rapidamente a relação entre polícia e comunidade do que uma lente fria e objetiva capturando cada frame das nossas tensões sociais diárias.
O discurso oficial é claro e, francamente, repetitivo: as câmeras corporais vão "aumentar a transparência e garantir a segurança tanto dos policiais quanto da população". Uma afirmação que, na teoria, brilha como um diamante. Na prática, porém, as coisas podem não ser tão simples. A complexidade do trabalho policial não cabe em um único vídeo de corpo preso ao colete de um PM. Além disso, há o pequeno detalhe de que, até agora, as câmeras corporais têm servido também como ferramenta para a construção de narrativas visuais, à la reality shows. Afinal, quem decide o que vale ser filmado? Quem monta a edição final? Em que momento um incidente vira cena de filme, e quando deixa de ser meramente "transparente"?
O anúncio dessas novas câmeras vem com um valor significativo: cerca de R$ 133 milhões. Esse montante é um lembrete de que, quando se trata de segurança pública, o bolso do contribuinte é sempre generoso. Claro, os críticos já afiaram suas línguas para questionar se o investimento realmente será revertido em benefícios concretos para a sociedade, ou se estamos apenas patrocinando mais um espetáculo de vigilância.
A introdução dessas câmeras levanta a velha questão: onde está a linha entre a solução prática e o entretenimento político? Afinal, o uso de câmeras corporais já está presente em várias partes do mundo, mas o sucesso é, no mínimo, ambíguo. Em alguns casos, o resultado é positivo; em outros, a transparência só escancara o quão enraizados estão os problemas.
Em São Paulo, os defensores acreditam que as câmeras serão um divisor de águas, promovendo uma mudança profunda na abordagem policial. No entanto, há também a percepção de que estamos apenas dando uma nova roupagem a um velho problema. A ideia de que uma câmera pode corrigir décadas de desconfiança e abusos é otimista — para dizer o mínimo. E, claro, as câmeras precisam estar ligadas. Um detalhe, diga-se de passagem, que já causou controvérsia em outras regiões do Brasil.
Ao mesmo tempo, não podemos deixar de mencionar o preço dessas 12 mil novas aquisições. R$ 133 milhões é um número que chama atenção, especialmente quando observamos as outras demandas do estado — da saúde à educação, passando por infraestrutura. Cada centavo investido na segurança pública é crucial, mas até que ponto essas câmeras são a melhor alocação de recursos? Enquanto a tecnologia avança e se torna uma constante no nosso cotidiano, parece haver uma fixação crescente em soluções que gravam, monitoram e catalogam tudo.
Por outro lado, há quem acredite que a solução passa por um reforço no treinamento e na valorização do ser humano por trás da farda. Afinal, uma câmera pode filmar, mas não pode ensinar empatia ou discernimento — características fundamentais no trato com uma população que historicamente carrega as cicatrizes de uma relação tensa com as forças de segurança.
O aumento no número de câmeras corporais em São Paulo pode ser uma tentativa genuína de modernizar e profissionalizar a polícia, mas o sucesso dependerá, em grande parte, da execução e da fiscalização. Sem uma política clara de utilização, revisões contínuas e, acima de tudo, comprometimento por parte das autoridades para que esses equipamentos sejam realmente um meio de garantir direitos, e não apenas uma nova fachada de eficiência, o cenário pode facilmente se transformar em mais uma engrenagem de um sistema disfuncional.
Resta-nos assistir aos próximos capítulos dessa novela de segurança pública, agora com ainda mais ângulos de câmera, cortes dramáticos e, quem sabe, alguma reviravolta inesperada.
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