Ataques a mulheres na Zona Leste revelam fragilidades de um sistema ineficaz e omisso diante da segurança pública
Mulheres enfrentam medo constante em meio a uma segurança pública falha e negligente na Zona Leste de São Paulo. |
A notícia de que um homem de 48 anos foi identificado como o responsável por uma série de ataques a mulheres na Zona Leste de São Paulo é a ponta de um iceberg muito maior. A sensação de insegurança urbana, que já é parte do cotidiano de milhões de paulistanos, parece ser tratada como um problema secundário. A identificação do agressor – quase uma façanha digna de um episódio de CSI, dado o nível de complexidade envolvido – não traz alívio, mas sim uma pergunta inevitável: como chegamos até aqui?
Enquanto o homem em questão, descrito como um predador com comportamento violento e metódico, traçava o caminho para seus ataques, as autoridades competentes pareciam seguir uma rota completamente diferente. A investigação, que poderia ter sido mais rápida se não fosse a falta de recursos e o excesso de burocracia, revela muito mais do que apenas um criminoso perigoso à solta. Ela evidencia a falência de um sistema de segurança pública que, por vezes, consegue ser mais lento que a própria criminalidade.
É quase tragicômico que, em uma cidade como São Paulo, onde há câmeras em cada esquina e sistemas de monitoramento supostamente de ponta, um homem como este tenha conseguido agir impunemente por tanto tempo. Para muitas das vítimas, a identificação do agressor, após os traumas físicos e psicológicos sofridos, já não parece mais do que um gesto tardio. O fato é que o temor se instaurou; andar sozinha pelas ruas é um risco assumido por qualquer mulher que ousa sair de casa sem companhia.
O que mais impressiona é o modo reativo com que a segurança pública trata casos de violência. Não se trata de um problema novo, nem de um fenômeno isolado. O Brasil, conhecido por sua alta taxa de crimes violentos, ostenta uma das mais alarmantes estatísticas de agressões contra mulheres. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2022, mais de 66 mil casos de estupro foram registrados no país, sendo 90% das vítimas do sexo feminino. E o mais aterrorizante é que essas são apenas as estatísticas oficiais. Sabemos que muitas mulheres, por medo ou desconfiança no sistema, sequer denunciam seus agressores.
No entanto, os números não parecem mover montanhas dentro das esferas governamentais. O investimento em segurança continua aquém do necessário, as delegacias especializadas sofrem com falta de pessoal e as leis, embora avancem, ainda se mostram insuficientes para barrar esse ciclo de violência. No meio desse caos, a identificação do criminoso em questão pode até ser vista como uma vitória. Mas é uma vitória amarga, digna de aplausos comedidos e de uma reflexão ácida sobre o que poderia – e deveria – ter sido evitado.
No cerne da questão está a omissão. O agressor, identificado como o autor de múltiplos ataques, não surgiu do nada. Ele provavelmente passou por inúmeras oportunidades de ser detido antes que chegasse ao ponto de protagonizar uma série de crimes que espalhou o pânico na Zona Leste de São Paulo. Onde estavam as autoridades? Onde estavam os mecanismos de prevenção? A realidade nua e crua é que a segurança preventiva no Brasil é um artigo de luxo. Vivemos em uma realidade onde só se age depois que o pior acontece – e, mesmo assim, lentamente.
É claro que o agressor deve ser punido dentro dos rigores da lei. No entanto, também é necessário que a sociedade questione a falta de uma política de segurança que vá além da mera contenção. É como tentar apagar um incêndio com um balde de água. As soluções apresentadas até agora não apenas são insuficientes, mas também passam a sensação de que a vida e a integridade física das mulheres estão longe de ser prioridade.
O modus operandi de criminosos como esse homem de 48 anos só reforça a percepção de que o crime compensa, desde que bem executado. A confiança na impunidade, alimentada pela lentidão do sistema judiciário e pela falha das investigações, cria um ambiente fértil para a proliferação de atos bárbaros. Cada ataque não investigado rapidamente é um convite para que mais crimes sejam cometidos.
É como uma novela onde o vilão sempre escapa no final do episódio, deixando o público exasperado e as vítimas à mercê de uma violência que parece eterna. A identificação desse agressor é apenas um capítulo em uma narrativa de descaso, onde a expectativa de justiça é constantemente frustrada por um sistema que engatinha enquanto o crime corre.
A situação da segurança pública, em especial a que se refere à proteção das mulheres, precisa ser repensada. Identificar um agressor é um passo importante, mas está longe de ser a solução definitiva para um problema estrutural. São Paulo, a maior cidade da América Latina, não pode continuar refém da ineficiência e do descaso. E, enquanto as políticas públicas permanecerem no limbo da inação, a cidade seguirá convivendo com monstros silenciosos, escondidos à luz do dia, à espreita de suas próximas vítimas.
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