Enquanto o núcleo da Abrasel-SP na Baixada Santista defende a volta do horário de verão, a sociedade parece permanecer na penumbra da indiferença
Enquanto a luz do horário de verão pode parecer uma solução, é a falta de políticas efetivas que realmente mantém o Brasil na escuridão. |
O horário de verão, um tema que já foi debatido até a exaustão no passado, volta à pauta na Baixada Santista, impulsionado pela Abrasel-SP (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes). O núcleo da associação na região propôs a reintrodução da medida como forma de estimular o setor de serviços, principalmente bares e restaurantes, que sofrem com a redução de clientes em horários noturnos durante o inverno. No entanto, a discussão sobre o retorno dessa política parece mais uma tentativa desesperada de manter viva uma tradição do que uma solução eficiente para os problemas enfrentados pelo setor e pela sociedade.
O argumento central da Abrasel é que a volta do horário de verão pode gerar mais movimento nos bares e restaurantes, estendendo o consumo e, portanto, aquecendo a economia local. Parece uma tese simples e eficaz: mais luz natural, mais tempo para consumir e, consequentemente, mais dinheiro circulando. Mas a pergunta que ecoa no fundo dessa proposta é: até quando o Brasil continuará apostando em soluções paliativas, ao invés de enfrentar as questões estruturais?
O horário de verão já foi implementado em diversas ocasiões no Brasil, com a justificativa de economia de energia. No entanto, estudos mais recentes, inclusive os realizados antes da suspensão da medida em 2019, mostram que o impacto na economia de energia é irrisório, dada a mudança no padrão de consumo, impulsionado pela onipresença do ar-condicionado e outros eletrodomésticos que funcionam por 24 horas. A Abrasel não menciona isso em sua proposta, focando-se exclusivamente nos interesses do setor gastronômico, o que é compreensível, mas superficial.
A retomada do horário de verão poderia, de fato, beneficiar setores específicos, como bares e restaurantes, mas até que ponto isso é uma solução duradoura para o que realmente aflige o comércio local? Não seria essa uma desculpa conveniente para desviar o foco da falta de políticas públicas voltadas para o incentivo e suporte de pequenos negócios? Enquanto a Abrasel defende com unhas e dentes uma solução que parece brilhar mais na nostalgia do que na eficácia, questões maiores pairam sobre a mesa: alta carga tributária, inflação persistente e o poder aquisitivo cada vez mais corroído da população.
A sociedade, por sua vez, assiste a essas discussões com uma espécie de apatia resignada, como se o horário de verão fosse uma questão de grande relevância nacional. Enquanto o país luta com problemas como desemprego, insegurança alimentar e crise de saúde pública, há quem acredite que adiantar o relógio em uma hora seja uma espécie de bálsamo que fará tudo parecer mais claro e menos sombrio. Talvez seja apenas uma questão de perspectiva: se o problema é a escuridão da noite, talvez o horário de verão seja a solução mais prática. Mas se o problema é a escuridão da falta de políticas concretas, a mudança no relógio parece, no mínimo, uma piada de mau gosto.
Outro ponto que não pode ser ignorado é o papel da desinformação no debate público. Durante anos, o horário de verão foi promovido como uma solução para a crise energética. Agora, surge como uma espécie de salvação para o setor de serviços. É curioso notar como, em cada momento, a justificativa muda conforme a conveniência do argumento. A pergunta que fica é: até quando a população será levada a acreditar que soluções pontuais e simbólicas, como a simples mudança no horário, poderão resolver questões profundas e complexas?
A proposta da Abrasel pode até ser bem intencionada, mas não escapa da crítica contundente de que estamos, mais uma vez, focando na superfície e ignorando o subtexto. O verdadeiro debate deveria ser sobre como reestruturar a economia local de maneira sustentável, proporcionando um ambiente favorável ao crescimento, independentemente de quantas horas de luz natural temos à nossa disposição.
O que fica claro é que o retorno do horário de verão dificilmente será a panaceia que muitos esperam. É apenas uma proposta, entre tantas outras, que oferece uma solução temporária para problemas crônicos. Se o Brasil deseja realmente emergir da escuridão, talvez seja hora de olhar para além das soluções fáceis e das desculpas saudosistas. Porque, no final das contas, a verdadeira luz que nos falta não é a do sol que se põe cedo, mas a de políticas públicas eficientes que atacam os problemas de forma estrutural e duradoura.
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