Em meio a um cenário de desafios em saúde e educação, gestão municipal lança concurso para eleger ave-símbolo, despertando debates sobre prioridades
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Em Itanhaém, o foco se volta para os céus: enquanto a cidade elege sua ave símbolo, questões urgentes em terra firme aguardam soluções. Foto: Divulgação/Prefeitura de Itanhaém. |
Numa demonstração de apreço pela rica biodiversidade que ainda resiste em seu território, a Prefeitura de Itanhaém, em colaboração com o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema), anunciou com justificado entusiasmo o lançamento do concurso "Ave Símbolo". A iniciativa, que convida a população a participar ativamente da escolha de um representante emplumado para a cidade, promete colorir o imaginário local e, segundo a administração, fortalecer a consciência ambiental e o potencial ecoturístico da região. Um bálsamo alado para as agruras terrenas? Talvez.
Enquanto setores vitais como a saúde pública e a educação municipal parecem emitir sinais preocupantes de esgotamento, com relatos de munícipes ecoando por corredores de postos de saúde e salas de aula que clamam por mais recursos e atenção estrutural, a gestão municipal direciona seus holofotes para o céu. A partir do próximo dia 13 de abril, e estendendo-se até 13 de maio, os cidadãos itanhaenses – e, curiosamente, qualquer pessoa com acesso à internet – poderão exercer seu direito democrático de voto online, selecionando sua ave preferida dentre oito candidatas criteriosamente selecionadas.
O cardápio ornitológico é variado, refletindo a diversidade da Mata Atlântica e dos ecossistemas costeiros que definem a paisagem local. Figuram na lista desde a vibrante Saíra-sapucaia, presença constante nos bairros mais arborizados, até o recluso Macuco, habitante das encostas serranas. Passando pela Choquinha-pequena das matas, o ameaçado Papagaio-de-cara-roxa do Rio Castro, o cosmopolita Trinta-réis-real das praias, o persistente Piru-piru dos costões, e os imponentes Gavião-pato e Gavião-pombo-pequeno, senhores dos céus rurais e florestais. Cada qual com seu charme, seu canto e sua área de ocorrência meticulosamente mapeada, como se a localização exata de um Gavião-pato fosse, neste momento, a informação mais premente para o cotidiano da população.
O processo, no entanto, não se encerra na aclamação popular digital. As cinco aves mais votadas passarão pelo crivo técnico da Comissão de Educação Ambiental do Comdema. Este colegiado, munido de critérios como endemismo, facilidade de avistamento e relevância para a conservação – parâmetros, sem dúvida, essenciais –, dará o veredito final. A grande revelação está agendada para 20 de maio, durante a Reunião Ordinária do Comdema, um evento que promete, ao menos simbolicamente, alçar a cidade a novos voos. A notícia será, claro, devidamente publicada nos canais oficiais da prefeitura, garantindo que nenhum munícipe perca o desenlace desta empolgante saga aviária.
Resta saber se a escolha de uma ave símbolo, por mais nobre e bem-intencionada que a iniciativa pareça em seu verniz ambientalista, será suficiente para desviar os olhares e os ouvidos atentos dos problemas bem mais rasteiros e urgentes que afligem a cidade. Enquanto se debate se o futuro emblema terá as cores da Saíra-sapucaia ou a imponência do Gavião-pato, a população talvez prefira que a gestão municipal pouse seu foco em questões menos etéreas e mais concretas, como a saúde que agoniza e a educação que pede socorro. Afinal, de que vale um belo pássaro estampado nos documentos oficiais se os serviços essenciais não conseguem, eles mesmos, levantar voo? A resposta, talvez, venha com o vento, ou com o próximo ciclo eleitoral.
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